3.8.02

Eu adoro vinho, e não estou só nessa. Provavelmente não há um só livro na literatura européia que não tenha uma reflexão sobre os poderes da bebida de exaltar a imaginação, a sensibilidade e a capacidade de criação. Baudelaire exauriu o tema, com o seu "Du Vin e du Haschisch", parte de "Les Paradis Artificiels". Mas surpresa boa é encontrar num sábado de manhã este soneto de Borges. Um brinde aos poetas!

Soneto do Vinho

Em que reino, em que século, sob que silenciosa
Conjunção das estrelas, em que secreto dia
Que não salvou o mármore, surgiu a valiosa
E singular idéia de inventar a alegria?
Com outonos dourados a inventaram. O vinho
Espesso e rubro flui ao longo das gerações
Como o rio do tempo, e como no árduo caminho
Nos prodiga sua música, seu fogo e seus leões.
Pelas noites de júbilo ou na jornada adversa
Ele exalta a alegria ou mitiga-nos o espanto,
E o ditirambo novo que este dia lhe canto
Outrora o decantaram o árabe e o persa.
Vinho, mostra-me a arte de ver-me a própria história
Como se esta já fosse só cinza na memória.